quarta-feira, 28 de maio de 2008

Graham Greene


O homem que roubou a torre Eiffel


Não foi tanto o roubo da torre Eiffel que me criou dificuldades, mas sim colocá-la de volta antes que alguém notasse. Devo afirmar, sem falsa modéstia, que o plano foi muito bem arquitetado. Vocês podem imaginar o que me custou — uma frota de caminhões enormes para carregar a torre até um daqueles campos planos e desertos que se vêem a caminho de Chantilly. Lá a torre podia facilmente ser colocada na horizontal. Durante a viagem, em uma manhã nevoenta de outono, havia bem pouco tráfego, e o pouco que havia era insignificante. Ninguém que tentou ultrapassar meus 102 caminhões de seis rodas notou que eles eram unidos entre si pela torre, como as contas de um colar: Os carros particulares chegavam a fazer menção de ultrapassar, mas quando os motoristas dos Fiat e Renault viam aquela fila de caminhões à frente, desistiam e conformavam-se em seguir a procissão. Por outro lado, os carros que vinham em sentido contrário tinham a estrada toda para eles: meus caminhões transformaram o trajeto Chantilly—Paris em uma longa estrada de mão única. Os carros passavam a toda velocidade e nem tinham tempo de notar que a torre estava apoiada sobre cada caminhão da corrente, como numa espécie de berço de centenas de metros de comprimento.

Tenho muito carinho pela torre, e fiquei feliz em vê-Ia, depois de tantos anos de guerra, cerração, chuva e radar, em repouso. No primeiro dia da mudança caminhei ao seu redor, de vez em quando tocando um dos suportes: o quarto andar parecia um pouco desconfortável no pedaço que passava por cima de um afluente manso e lamacento do Sena, então coloquei-o mais à vontade. Depois voltei para sua sede original — ainda temia que alguém notasse. Os grandes blocos de concreto estavam lá, sem nada em cima. Lembravam tanto túmulos, que alguém já havia deixado um maço de flores para os heróis da Resistência. Um táxi parou trazendo os últimos turistas da estação antes de, como andorinhas, rumarem para oeste com a chegada do inverno. O homem estava com uma garota e cambaleava um pouco ao caminhar. Curvou-se para ver as flores e ao endireitar-se ficou vermelho nas bochechas lisas e empoadas.

— É um memorial — disse.

Graham Greene em “A última palavra”

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