(...)
4 de Janeiro.
Hoje aconteceu-me uma coisa estranha. Durante três dias não arrumei o escritório; como o meu marido foi passear esta tarde, entrei lá para o limpar. Em frente da estante, sobre a qual está uma jarra de pé alto onde pus um narciso, estava caída uma chave. A coisa não tinha talvez nenhuma importância. Contudo, não posso imaginar que meu marido tenha sido, sem nenhum motivo, tão negligente que deixasse esta chave no chão, porque é muito cuidadoso. E de resto, desde que há alguns anos redige o seu diário, não deixou cair a chave uma única vez. Há muitissimo tempo, naturalmente, que sei que ele escreve um diário, que o fecha à chave na gaveta da mesinha, enfim, que esconde esta chave umas vezes entre os numerosos livros da estante e outras debaixo do tapete. Contudo, faço uma distinção entre o que posso e o que não devo saber.
(...)Porque deixou então hoje a chave caída no chão? O que provocou no seu espírito esta mudança? Julgará útil fazer com que eu leia este diário? Terá pensado que se me dissesse abertamente: «lê-o», eu provavelmente não o leria? Não quis então dizer-me: «Se tens vontade de o ler, lê-o às escondidas! A chave está ali.» Não saberá ele que desde há muito tempo conheço os esconderijos da sua chave? Não, não deve ser isso, talvez tenha querido dizer: «Admito de hoje em diante que leias este diário às escondidas; admito-o, mas farei de conta que não o sei.»
4 de Janeiro.
Hoje aconteceu-me uma coisa estranha. Durante três dias não arrumei o escritório; como o meu marido foi passear esta tarde, entrei lá para o limpar. Em frente da estante, sobre a qual está uma jarra de pé alto onde pus um narciso, estava caída uma chave. A coisa não tinha talvez nenhuma importância. Contudo, não posso imaginar que meu marido tenha sido, sem nenhum motivo, tão negligente que deixasse esta chave no chão, porque é muito cuidadoso. E de resto, desde que há alguns anos redige o seu diário, não deixou cair a chave uma única vez. Há muitissimo tempo, naturalmente, que sei que ele escreve um diário, que o fecha à chave na gaveta da mesinha, enfim, que esconde esta chave umas vezes entre os numerosos livros da estante e outras debaixo do tapete. Contudo, faço uma distinção entre o que posso e o que não devo saber.
(...)Porque deixou então hoje a chave caída no chão? O que provocou no seu espírito esta mudança? Julgará útil fazer com que eu leia este diário? Terá pensado que se me dissesse abertamente: «lê-o», eu provavelmente não o leria? Não quis então dizer-me: «Se tens vontade de o ler, lê-o às escondidas! A chave está ali.» Não saberá ele que desde há muito tempo conheço os esconderijos da sua chave? Não, não deve ser isso, talvez tenha querido dizer: «Admito de hoje em diante que leias este diário às escondidas; admito-o, mas farei de conta que não o sei.»
Junichiro Tanizaki, A Confissão Impúdica