terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Tool / Amadeu Baptista




coisas há que a vida transfigura

como se de repente o tempo se abrisse

e o que era sagrado fosse mais sagrado

e mais belo o movimento sobre o movimento

e em cada cúpula a pomba anunciasse

o derradeiro sinal

tantas vezes sonhado e esperado.

sobre a surpresa outra surpresa paira

e a sucessão dos dias e das noites

é à memória que sempre deve tudo

quando na cintilação outra luz se abre

e sobre a praia uma criança corre

com o passado nos olhos onde o futuro vibra

e a fulguração de um rosto alastra para sempre

sobre a linha clara da rebentação.

falando de tristeza há um vínculo que se cumpre

porque tudo se cumpre quando se acredita

e há-de ser o amor o bem que se procura

nesse laço que a memória pressente no presente

e vem iluminar o fio indivisível

do mistério que arde em toda a parte.

o poema o revele e o nome que o assine

e a total alegria com que se entregue o poeta,

nem sequer inocente, nem sequer indeciso,

porque o céu testemunha o que já está escrito

e a estrela que brilha é a estrela da tarde

e brilha mais o brilho em que se acredita.'



Amadeu Baptista

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