segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Stacey Kent / Paul Auster



Azul. E nesse azul uma sensação
de verde, as cinzentas calotas de nuvens
amparadas contra o ar, como se
na ideia da chuva
o olhar
pudesse domar a fala
de um dado momento


na terra. Chamem-lhe o céu. E assim
descrever
o que quer
que vemos, como se nada mais fosse
que a ideia
de algo que tínhamos perdido
cá dentro. Podemos começar, pois,
a recordar


a terra dura, as estrelas
dardejantes de sílex, os undíferos
carvalhos, soltos
pelo resfolegar do vento, e assim até
à mais ínfima semente, descobrindo
o que sobre nós cresce, como se
por causa deste azul pudesse haver
este verde


que alastra, nisto inumerável
e milagroso, o mais silente
momento do verão. Sementes
falam deste ciclo, definem
o lugar onde o ar e a terra irrompem
nesta profusão de acaso, as aleatórias
forças da nossa falta de conhecimento
acerca daquilo
que vemos, e meramente falar disso
é ver
como as palavras nos falham, como nada sai bem
no dizer disso, nem sequer estas palavras
que sou levado a dizer
em nome deste azul
e deste verde
que se dissipam
no ar do verão.


Impossível
Continuar a ouvi-lo por mais tempo. A língua
para sempre nos aparta
de onde estamos, e em parte alguma
podemos repousar
nas coisas que nos são dadas
a ver, pois cada palavra
é outra parte qualquer, algo que se move
mais depressa que o olhar, mesmo
enquanto se desloca este pardal,
voluteando rumo ao ar
onde não tem lar algum. Não acredito, então,
em nada


do que te possam dar estas palavras,
e contudo ainda posso senti-las
a falar através de mim, como seja
isto somente
o que desejo, este azul
e este verde, e dizer
como este azul
se tornou para mim na essência
deste verde, e mais do que a pura
visão disso, quero que sintas
esta palavra
que o dia inteiro viveu
dentro de mim, este
desejo de nada


que não o dia em si mesmo, e o modo como cresce
dentro dos meus olhos, mais forte
do que a palavra de que é feito,
como se jamais
outra palavra


me pudesse amparar
sem se quebrar.



Paul Auster

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