terça-feira, 17 de março de 2009

Woven Hand



Agora sabia que éramos muitos pobres.
(Talvez um dia eu volte aqui e já ninguém me conheça, nem eu aos outros nem aos sítios: um lugar donde se volta será um lugar aonde se voltará?)
Sabia agora, também, que vivíamos episódios por outros já vividos, sem ninguém conhecer claramente a causa. Como se quiséssemos sair dessa vida e ingressar noutra, porém com a nostalgia da que deixávamos, sem outra imortalidade além daquela que lhe desse a nossa saudade.
Agora sabia que éramos muito pobres; e a iniciativa que me parecia mais importante no mundo era caminhar, caminhar sem sentido, ninguém em redor de mim, movimentos suaves e dominicais, nesses lugares, os quais eram, realmente, um aspecto das coisas, uma maneira de caminhar; de viver.
Pela beira do telhado, João e Manuel percorriam lentamente o prédio, sensação de vertigem aqui, quando os olhos tentavam corporizar silhuetas intrigantes, de segurança ali, quando se avizinhava o volume das janelas das águas-furtadas, ambos preferindo as miragens e o perigo às comodidades de cá de baixo: um sangue novo fermentava e decantava-se para eles, o coração ficava bloqueado nos seus peitos, transtornado, e arfavam no fascínio da aventura. Andavam assim às voltas havia muito tempo e, separadas as ligações com o resto do mundo, não ouviam os sons nem as vozes. O frio cortava; todavia, durante alguns minutos tornava mais manejáveis as coisas difíceis e rudes.


Baptista-Bastos

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