2.
às vezes convenço-me de que sei tudo sobre os teus olhos
mas não sei se neles existem marés vivas
e a vontade atlântica das viagens
e não sei
se os teus olhos sou eu
se calhar
que os invento
7.
podia escrever:
a minha boca sabe à tua boca
mas não é isso que quero
embora seja essa a verdade
da minha boca e da tua boca
escrevo
os meus olhos sabem aos teus olhos
o que é uma verdade diferente
e nem por isso menos verdadeira
os meus olhos sabem ao sal das lágrimas
que não saberei nunca se nasceram nos meus ou nos teus
mas nem os meus olhos nem os teus olhos
alguma vez desmentiram
essa verdade assustadora do sal
9.
escreve-nos
dizem os teus olhos
e eu escrevo-nos
e escrevo-os
os teus olhos na impressão da tinta
os teus olhos impressos
nos meus
os teus olhos nas letras
os teus olhos nas frases
os teus olhos nos poemas
os poemas dos teus olhos
e dizem
escreve-nos
e eu escrevo-nos
e eu escrevo-os
com a certeza
de que é impossível
escrever a luz
10.
às vezes
tens os olhos nas pontas dos dedos
sinto-os na escuridão
às vezes
a chuva tem os teus olhos nas pontas dos dedos
e bate na vidraça a chamar os meus
às vezes
tenho os teus olhos nas pontas dos dedos
sinto-te dentro de ti
numa precipitação de cisnes
às vezes
os teus olhos dizem o meu nome
e eu sei
sei apenas
pouco importa o quê
às vezes
os teus olhos escondem-se num silêncio
escondem-me no silêncio
e eu não sei porquê
às vezes
os teus olhos estão no mar
Afonso de Melo
quinta-feira, 5 de março de 2009
Laura Marling
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) quinta-feira, março 05, 2009