segunda-feira, 28 de abril de 2008

A cidade está presa nas palavras



Há um homem que atravessa a rua. Leva sacos às costas, cordas
que interrompem a noite de outros homens que passam.
São negros, mas rebentam a noite de outros pesos,
desfaz-se o corpo leve dos que não regressam.

O homem diz: - É noite na cidade de onde venho.
São negros os sacos do homem, pensam os outros.
É noite na cidade onde chegas, poderiam pensar.
De onde vens?

A cidade está presa nas palavras.

Há uma rua atravessada pelo homem que diz: - A cidade somos nós.
E há os que não se transportam no dia, os que não chegam de noite
à noite de outros. Os que não se quebram na cidade partida.
Os que dizem:

A cidade está presa na memória.

Há no entanto uma cidade no início: sem rua e sem noite ponderada.
Sem costas. Que no lugar da torre, tem uma cratera,
que no lugar do caminho, tem um poço sem espelho.
Sem água. Que no lugar do relógio tem o sol.
Que no lugar do homem, tem a primeira ave.
É uma cidade onde ninguém diz a verdade:

A cidade está presa.


Filipa Leal

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