Mal se aquietou a ideia de Dilúvio,
Uma lebre parou entre os sanfenos e
nas ondulantes campânulas e fez a sua
prece ao arco-íris através da teia da
aranha.
Oh! as pedras preciosas que se escon-
diam — as flores que já olhavam.
Na grande rua suja reapareceram as
tendas, e as barcas foram atiradas ao mar,
que era em degraus, e em cima, como
nas gravuras.
Correu o sangue, nas terras de Barba-
-Azul. Nos matadouros, nos circos, onde
o selo de Deus enlividecia as janelas.
O sangue e o leite correram.
Os castores construíram. Os mazagrãs
fumegaram nos estaminés.
Na grande casa vidrada ainda rumo-
rejante as crianças de luto olharam as
maravilhosas imagens.
Uma porta bateu — e no centro do
povoado o menino girou os braços arre-
batando os cata-ventos e os galos de todos
os campanários, sob o cintilante agua-
ceiro.
A Senhora *** instituiu um piano nos
Alpes. A missa e as primeiras comunhões
foram confiadas aos cem mil altares
da catedral.
As caravanas partiram. E o Esplêndido
Hotel foi construído sobre o caos de gelos
e de noite dos pólos.
Desde então, a Lua ouviu o uivo dos
chacais nos desertos de timo — e as églo-
gas sabias grunhindo ao vergel. Depois,
na mata violeta, sussurrante, Eucaris
disse-me que era primavera.
Irrompe, charco — Espuma, rola sobre
a ponte e por cima das árvores. Velos
negros e órgãos; raios e trovão — vinde
e rolai! — Águas e tristezas, crescei e
restabelecei os Dilúvios.
Pois, desde que eles se foram — oh as
pedras preciosas aluindo, e as flores aber-
tas! — é o tédio! e a Rainha, a Feiticeira
que acende o seu lume na frágua de barro,
nunca quererá contar-nos o que sabe e
nós ignoramos.
Jean-Arthur Rimbaud
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Mundo Cão
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) quinta-feira, julho 23, 2009