terça-feira, 31 de março de 2009

Ben Lee



Vamos fazer limpeza, mas geral
e vamos deitar fora as coisas todas
que não nos servem para nada, essas
coisas que não usamos já e essas
que nada fazem mais que apanhar pó,
as que evitamos encontrar porquanto
nos trazem as lembranças mais amargas,
as que nos fazem mal, enchem espaço
ou não quisemos nunca ter por perto.
vamos fazer limpeza, mas geral,
talvez melhor ainda uma mudança
que nos permita abandonar as coisas
sem sequer lhes tocar, sem nos sujarmos,
que fiquem onde sempre têm estado;
vamos embora só nós, vida minha,
para voltar a acumular de novo.
Ou vamos deitar fogo ao que nos cerca
e ficarmos em paz com essa imagem
do braseiro do mundo face aos olhos
e com o coração desabitado.


Amalia Bautista

sábado, 28 de março de 2009

Polly Paulusma



click,

dormem em simultâneo sobre as escarpas

e sobre a sua beleza suja,

interior ao sono, interior à chuva,

colocam as mãos nos bolsos como se lá estivesse

parte de uma incompletude que os completasse,

consolidam a solidão inacessível,

sentem o vento processar o seu rigor irregular

nos pulsos rasgados,

ouvem música petrificada, julgam que o ritmo

e o movimento da cabeça os podem apartar,

e por isso se intitulam apenas

de ouvintes de música,

click,

nunca saberiam assinalar, por exemplo, nos negativos

da presente sessão, os lugares íngremes

das suas infâncias que se auto-consolam

e auto-flagelam entre si.

sobre eles disparo como se atirasse a matar

sobre as suas ideias transumantes

em direcção à trovoada oca

dos meus olhos brancos.

click,

o crepúsculo carrega-nos, a confusão inicia-nos as fugas,

todas as fugas, todas as horas que a bem ou a mal

singram e quebram.

quem me dera poder embriagar-lhes a sombra,

desatar-lhes os nós da vida,

poder vê-los andar de novo,

e ficar aqui para sempre, neste fim de tarde,

compensando a minha completa falta de rosto

com a tripulação dos meus dedos

fingindo sobre a máquina fotográfica.





Tiago Nené

sexta-feira, 27 de março de 2009

Ed Harcourt



De mais ninguém, senão de ti, preciso:
Do teu sereno olhar, do teu sorriso,
Da tua mão pousada no meu ombro.
Ouvir-te murmurar: - «Espera e confia!»
E sentir converter-se em harmonia,
O que era, dantes, confusão e assombro.

Carlos Queirós

quinta-feira, 26 de março de 2009

Massive Attack



A incompreendida figura do amor
a céu descoberto sem que se exprima
rodeando-nos de vinganças, medidas, ardis
e enchemos os livros da ardente ausência
de nós próprios

Ao entardecer corremos
ao pontão sobre o mar
e a vida só se parece
com alguma coisa que sabemos


José Tolentino Mendonça

terça-feira, 24 de março de 2009

Beachwood Sparks



No bosque. Ninguém a viu.
Flor aberta, flor fechada.
Por que vibram os deuses
Sua beleza ignorada?

Por que passou pelo bosque
tão amável perfeição,
se pelo bosque passava
apenas a solidão?


Alberto Lacerda

segunda-feira, 23 de março de 2009

A Naifa



Meu Amor, quem não sabe
que o Amor é mais forte que uma rama ou um muro?

Quem não sabe que o Amor tem mais sal do que o mar,
quem não sabe que o Amor tem mais sol do que o mundo?

Quem não sabe que o Amor tem mais força que a sombra,
quem não sabe que o Amor é mais puro que o vento?

Meu Amor, quem não sabe
está respirando a morte.



António Rebordão Navarro

domingo, 22 de março de 2009

Ben Folds



Talvez tenhas razão:

talvez a verdadeira paz

somente se encontre

num lugar escuro como este,

num corredor de colégio,

onde as raparigas se pavoneiam a cada dia,

deixando nas paredes

casacos e capuzes;

Onde os velhos pobres

que vêm pedir

se contentam com umas poucas moedas

oferecidas por Deus;

Onde, ainda cedo, por culpa

das janelas fechadas,

se acendem as lâmpadas

e não se aguarda

ver morrer a luz,

ver morrer a cor e a saliência das coisas;

Contudo, ide ao encontro da noite

com outra luz acesa ao alto,

e a alma que arde não sofrerá

a revelação da sombra.



Antonia Pozzi

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