Vamos fazer limpeza, mas geral
e vamos deitar fora as coisas todas
que não nos servem para nada, essas
coisas que não usamos já e essas
que nada fazem mais que apanhar pó,
as que evitamos encontrar porquanto
nos trazem as lembranças mais amargas,
as que nos fazem mal, enchem espaço
ou não quisemos nunca ter por perto.
vamos fazer limpeza, mas geral,
talvez melhor ainda uma mudança
que nos permita abandonar as coisas
sem sequer lhes tocar, sem nos sujarmos,
que fiquem onde sempre têm estado;
vamos embora só nós, vida minha,
para voltar a acumular de novo.
Ou vamos deitar fogo ao que nos cerca
e ficarmos em paz com essa imagem
do braseiro do mundo face aos olhos
e com o coração desabitado.
Amalia Bautista
terça-feira, 31 de março de 2009
Ben Lee
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) terça-feira, março 31, 2009
sábado, 28 de março de 2009
Polly Paulusma
click,
dormem em simultâneo sobre as escarpas
e sobre a sua beleza suja,
interior ao sono, interior à chuva,
colocam as mãos nos bolsos como se lá estivesse
parte de uma incompletude que os completasse,
consolidam a solidão inacessível,
sentem o vento processar o seu rigor irregular
nos pulsos rasgados,
ouvem música petrificada, julgam que o ritmo
e o movimento da cabeça os podem apartar,
e por isso se intitulam apenas
de ouvintes de música,
click,
nunca saberiam assinalar, por exemplo, nos negativos
da presente sessão, os lugares íngremes
das suas infâncias que se auto-consolam
e auto-flagelam entre si.
sobre eles disparo como se atirasse a matar
sobre as suas ideias transumantes
em direcção à trovoada oca
dos meus olhos brancos.
click,
o crepúsculo carrega-nos, a confusão inicia-nos as fugas,
todas as fugas, todas as horas que a bem ou a mal
singram e quebram.
quem me dera poder embriagar-lhes a sombra,
desatar-lhes os nós da vida,
poder vê-los andar de novo,
e ficar aqui para sempre, neste fim de tarde,
compensando a minha completa falta de rosto
com a tripulação dos meus dedos
fingindo sobre a máquina fotográfica.
Tiago Nené
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) sábado, março 28, 2009
sexta-feira, 27 de março de 2009
Ed Harcourt
De mais ninguém, senão de ti, preciso:
Do teu sereno olhar, do teu sorriso,
Da tua mão pousada no meu ombro.
Ouvir-te murmurar: - «Espera e confia!»
E sentir converter-se em harmonia,
O que era, dantes, confusão e assombro.
Carlos Queirós
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) sexta-feira, março 27, 2009
quinta-feira, 26 de março de 2009
Massive Attack
A incompreendida figura do amor
a céu descoberto sem que se exprima
rodeando-nos de vinganças, medidas, ardis
e enchemos os livros da ardente ausência
de nós próprios
Ao entardecer corremos
ao pontão sobre o mar
e a vida só se parece
com alguma coisa que sabemos
José Tolentino Mendonça
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) quinta-feira, março 26, 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
Beachwood Sparks
No bosque. Ninguém a viu.
Flor aberta, flor fechada.
Por que vibram os deuses
Sua beleza ignorada?
Por que passou pelo bosque
tão amável perfeição,
se pelo bosque passava
apenas a solidão?
Alberto Lacerda
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) terça-feira, março 24, 2009
segunda-feira, 23 de março de 2009
A Naifa
Meu Amor, quem não sabe
que o Amor é mais forte que uma rama ou um muro?
Quem não sabe que o Amor tem mais sal do que o mar,
quem não sabe que o Amor tem mais sol do que o mundo?
Quem não sabe que o Amor tem mais força que a sombra,
quem não sabe que o Amor é mais puro que o vento?
Meu Amor, quem não sabe
está respirando a morte.
António Rebordão Navarro
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) segunda-feira, março 23, 2009
domingo, 22 de março de 2009
Ben Folds
Talvez tenhas razão:
talvez a verdadeira paz
somente se encontre
num lugar escuro como este,
num corredor de colégio,
onde as raparigas se pavoneiam a cada dia,
deixando nas paredes
casacos e capuzes;
Onde os velhos pobres
que vêm pedir
se contentam com umas poucas moedas
oferecidas por Deus;
Onde, ainda cedo, por culpa
das janelas fechadas,
se acendem as lâmpadas
e não se aguarda
ver morrer a luz,
ver morrer a cor e a saliência das coisas;
Contudo, ide ao encontro da noite
com outra luz acesa ao alto,
e a alma que arde não sofrerá
a revelação da sombra.
Antonia Pozzi
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) domingo, março 22, 2009