Na memória uma voz triste
Não pára de me dizer
Tudo aquilo que hoje existe
Um dia há-de morrer
Eternamente a tristeza
Prevalece desmedida
Qualquer coisa de beleza
Tem de haver para além da vida
Devagar o esquecimento
Persuade o coração
Na corrida contra o tempo
Volta sempre a solidão
Aldina Duarte
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Nuno Prata
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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Little Dragon
nesse tempo, deus existia ainda
e tudo quanto era frágil respirava
loucamente
no bar da escola,
as bandas tocavam
para os cleptomaníacos do coração
nas traseiras do ginásio,
treinavam-se beijos à serpente
e cigarros orientais
os rapazes cresciam
com olhos prateados
e duros totens de carne
debaixo das saias das raparigas
havia flores rasgadas
e sonhos de cavalos bravos
forever young, só o vento
— e as revoluções do amor
que beijo a beijo atraiçoávamos
João de Mancelos
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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Horace Andy
Como eram ambos jovens e se moviam ainda às cegas nas
franjas dos seus próprios desejos, a dança que faziam juntos não
era uma dança em que tomavam posse um do outro, mas uma
espécie de minuete, cujo objectivo consistia não em apropriar-se,
não em agarrar, não em tocar, mas em permitir que o máximo de
espaço e distância fluísse entre eles. Mover-se em sintonia, sem
colisões, sem se fundirem. Descrever circulos, fazer vénias em
sinal de devoção, rir dos mesmos absurdos, troçar dos seus próprios
movimentos, lançar sobre as paredes sombras gémeas que nunca
se tornariam uma só. Dançar em redor desse perigo: o perigo de
se tornarem um só! Dançar confinando-se cada um ao seu próprio
caminho. Permitir o paralelismo, mas sem que um se perdesse
dentro do outro. Brincar ao casamento, a par e passo, ler o mesmo
livro juntos, dançar uma dança de evasão na orla do desejo, per-
manecer dentro de círculos de luz sublimada, sem tocar no âma-
go que deitaria fogo ao circulo.
Uma hábil dança de não-posse.
Anaïs Nin
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Gang Gang Dance
A estrela onde eu vivia já não existe.
O sol de cujo séquito
a estrela se movia à volta do mundo
já não existe.
A vida que tive,
a vida que era o prazer e a agonia do sangue,
já não existe.
Aquela estrela morta entre estrelas,
aquele sol morto entre sóis
aquele rosto morto entre rostos
que era o meu,
já não consigo lembrar.
Mas eu existo.
Arvid Mörne
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sábado, 13 de fevereiro de 2010
...And You Will Know Us By The Trail of Dead
…
O que estava a pensar significava uma despedida da maior parte das relações da sua vida; quanto a isso não tinha ilusões. Na verdade, as nossas vidas estão divididas, e partes delas cruzam-se com as de outras pessoas; o que sonhamos depende do acto de sonhar, mas também dos sonhos que todos os outros têm; o que fazemos tem a sua razão de ser em si, mas mais ainda com o que outras pessoas fazem; e as nossas convicções ligam-se a outras que só numa ínfima parte podemos ver como nossas. Conclusão: pretender agir a partir de uma realidade plena que seja só nossa é, por isso, uma exigência absolutamente irrealista. E precisamente ele acreditara sempre que é preciso partilhar as nossas convicções, ter a coragem de viver no meio de contradições morais, porque é esse o preço das grandes realizações. Estaria ele pelo menos convencido do que pensava a propósito da possibilidade e do significado de uma forma de vida diferente? De modo nenhum! E apesar disso não podia evitar que o seu sentimento fosse atraído por isso como se tivesse diante de si os sinais inconfundíveis de uma realidade pela qual esperara anos a fio.
…
Robert Musil
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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Sunset Rubdown
Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I —
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
Robert Frost
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
American Princes
A vida foi construída a partir de linhas rectas e curvas, círculos imperfeitos, assustadoras pirâmides, triângulos inacessíveis. Cada um de nós se ergue destes elementos, enquanto Deus espia o nosso espanto; e, com aqueles elementos duma grande simplicidade erguemos, também, o inferno lento dos dias.
Por vezes, descobrimos que os acontecimentos se tornam realmente importantes, quando os vemos de diferentes ângulos – como se estivéssemos sozinhos, abandonados, no meio duma sala de espelhos.
Apaixonamo-nos. Desatamos a escrever cartas insensatas para dizer, um ao outro, que jamais será possível voltar – juntos e em silêncio – ao lugar da noite onde nos destruímos e tentámos refazer a vida.
As cartas servem para isso mesmo. Assinalam os sobejos da paixão, perturbam-nos os sentidos e o coração. São a nossa derradeira existências de papel.
Depois, lentamente, a memória vai buscar violentas imagens que, durante anos, nos esforçámos por esquecer. Lá fora a cidade anoitece envolta numa luminosidade peganhenta. Dizemo-nos:
– Há muito tempo que não choramos.
Mergulhamos o rosto no escuro das mãos, as lágrimas irrompem, suavemente, sem convulsões nem gemidos. São as piores lágrimas, aquelas que se assemelham a ilhas perdidas no meio da nossa própria noite.
Al Berto
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Efterklang
too much too little
too fat
too thin
or nobody.
laughter or
tears
haters
lovers
strangers with faces like
the backs of
thumb tacks
armies running through
streets of blood
waving winebottles
bayoneting and fucking
virgins.
an old guy in a cheap room
with a photograph of M. Monroe.
there is a loneliness in this world so great
that you can see it in the slow movement of
the hands of a clock
people so tired
mutilated
either by love or no love.
people just are not good to each other
one on one.
the rich are not good to the rich
the poor are not good to the poor.
we are afraid.
our educational system tells us
that we can all be
big-ass winners
it hasn't told us
about the gutters
or the suicides.
or the terror of one person
aching in one place
alone
untouched
unspoken to
watering a plant.
people are not good to each other.
people are not good to each other.
people are not good to each other.
I suppose they never will be.
I don't ask them to be.
but sometimes I think about
it.
the beads will swing
the clouds will cloud
and the killer will behead the child
like taking a bite out of an ice cream cone.
too much
too little
too fat
too thin
or nobody
more haters than lovers.
people are not good to each other.
perhaps if they were
our deaths would not be so sad.
meanwhile I look at young girls
stems
flowers of chance.
there must be a way.
surely there must be a way that we have not yet
thought of.
who put this brain inside of me?
it cries
it demands
it says that there is a chance.
it will not say
"no."
Charles Bukowski
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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Blind Man's Colour
Talvez até a Vida seja simples.
Os meus lábios são , por exemplo,
feitos de vento
e a minha voz é uma cortina de fumo
para me defender do frio.
Lembrei-me um dia
de cortar os dedos
para não mais escrever poesia.
(Nunca chorei tanto
em toda a minha Vida!...)
hoje tenho a convicção das dunas,
sei que os meus cabelos
escrevem 365 livros por ano
e procuro sozinha o Infinito.
Maria Azenha
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) quinta-feira, fevereiro 04, 2010 0 comentários
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Neva Dinova
Vê tu, não peço muito,
apenas a tua mão, segurá-la
como um sapito a dormir todo contente.
Preciso dessa porta que me davas
para entrar no teu mundo, esse torrão
de açúcar verde, de campo alegre.
Não me emprestas a mão nesta noite
de fim de ano de corujas ronqueiras?
Não podes, por razões técnicas.
Então teço-a no ar, urdindo cada dedo,
o pêssego sedoso da palma
e o dorso, esse país de árvores azuis.
Assim a tomo e mantenho-a,
como se disso dependesse
a sorte do mundo,
a sucessão das quatro estações,
o canto dos galos, o amor
dos homens.
Julio Cortázar
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) quarta-feira, fevereiro 03, 2010 0 comentários
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Plus Ultra
Escolho uma idade à minha medida.
Guia-nos o sul, com redemoinhos de pó sobre a estepe;
Renques daninhos, pragas de gafanhotos,
As cintilações faiscantes das ferraduras polidas,
Tudo profetizava - visões
De monge - que eu iria perecer.
Peguei no destino, atei-o à sela;
E agora que estou no futuro, permaneço
Hirto nos estribos como uma criança.
Arsenii Tarkovskii
Publicada por Ricardo de Magalhães à(s) terça-feira, fevereiro 02, 2010 0 comentários