quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Edward Sharpe & The Magnetic Zeros



Claro que se tem medo que alguém nos entre pelos olhos.
Mas podes arder. Para a tua temperatura sou mercúrio, li-
nhas de mão, lábio e sopro. Atravesso-te porque me atra-
vessas e onde somos corsários rendemo-nos ao encanto da
devolução.

Tu e eu à porta de um lugar que vai fechar tudo numa árvore.
Aqui onde os minutos são a rua em que nos sentamos toda
a tarde à espera do silêncio, onde o teu corpo pesa a me-
dida exacta do meu desejo.

Sou um animal. Necessito diariamente da transfusão de uma
enorme quantidade de calor. Tocas-me?



Vasco Gato

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Virgem Suta



Livra-me das tentações
de fugir ao fisco
e que em Fevereiro pague sempre
os meus impostos.
Afasta-me do supérfluo e
da vaidade e recorda-me que
um dia hei-de ter hemorróidas.
E não me deixes cair no pecado
da ideologia
para que não leve com o proletariado nas trombas.
Guia-me pelos caminhos do amor
até um centro comercial
onde o amado me acompanhará
a experimentar um a um cada vestido.
E, por último, faz com que
todo o iogurte que coma seja
— foda-se! —
de morango.



Ana Paula Inácio

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

The Big Pink



De súbito, na rua, está
outra vez um calor inconcebível,
o matraquear das sandálias de pau, as raparigas
abrem as blusas, não me atrevo
a sair da minha pele hirta
de suor e suspiro pelo Inverno,
que tem o seu lado bom, escuridão eterna,
humidade salgada, botas pesadas como pedras,
e o desejo das blusas abertas,
sandálias de pau e luz.




Hans-Ulrich Treichel

domingo, 27 de setembro de 2009

The M's



Na primeira hipótese, há uma causa
que obriga a multidão a avançar pela rua,
sabendo o que tem pela frente. As suas vozes
esperam que alguém as acorde com uma fórmula
que dê sentido ao seu movimento; mas
nem isso é preciso, quando olhamos o conjunto
e encontramos uma lógica que
determina cada passo.
Na segunda hipótese, a expressão do rosto
transporta uma decisão que ultrapassa o objectivo
do grupo. Poderia falar-se de uma metafísica
colectiva, e recorrer à dialéctica do Hegel para
descobrir esta violência serena que antecede
o grande combate que o filósofo descreveu como
simples antítese. A abstracção do raciocíonio
liberta-nos da realidade.
O que não vemos é o que está à sua
frente, e nunca tem rosto. A devastação
do mundo é, no fundo das coisas, a terceira
hipótese, mesmo quando uma planta ainda nasce
no terreiro vazio, depois da batalha.



Nuno Júdice

sábado, 26 de setembro de 2009

Curumin



O Verão partiu
E nunca devia ter vindo.
Será quente o sol
Mas não pode ser só isto.



Arsenii Tarkovskii

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Dead Confederate



É nas costas que se sente a perda.
A parte da frente consegue manter as aparências.
Pelo menos, a nossa cara pode encarar-se no espelho. É a nuca que sente a solidão.
Podemos abraçar a barriga e enrolarmo-nos à sua volta. Mas as costas permanecem sozinhas.
É por isso que as sereias e os djinns são retratados com as costas ocas -- jamais alguém lhes encosta uma barriga quente. Em vez disso, é ali que trabalha o cinzel de escultor da solidão.
Não se encontra a solidão. Ela vem por detrás e acerta o passo pelo nosso.



Sven Lindqvist

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

The Weatherman



Assim como o primeiro a chegar
Debruçado sobre o oval do desejo interior
Enumera estas noites seguindo o pirilampo
Conforme estenderes a mão para fazer a árvore ou antes de fazer o amor

Como toda a gente sabe

No outro mundo que nunca há-de existir
Vejo-te branco e elegante
Os cabelos das mulheres cheiram a folha de acanto
Ó vidros sobrepostos do pensamento
Na terra de vidro movem-se esqueletos de vidro



Andre Breton

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

The Dead 60s



Depois do que te disse
descansei

escrevo-te sem endereço
no reverso do que fiz

não escolho as ruas onde moras

paro no verso
nunca atravesso

fecho-me na caixa do correio
à espera que me escrevas

melhor é acampar
no dedo direito deste magro braço d'água
cingido à complicação elementar
de estar vivo.


Boaventura de Sousa

terça-feira, 22 de setembro de 2009

White Rose Movement



I’m running away with my breasts
to Barcelona, the Canaries.
They’ve a fancy for some seafront life,
fisherman, local wine.
I’m leaving no more of them at the hospital.
I understand the lump now,
how the cells got together
in a crescent like a young moon,
a smooth-sea boat, a hammock.
All these symbols of longing:
if I had taken notice
they could not have taken shape.



Helen Farish

domingo, 20 de setembro de 2009

Camera Obscura




Y se muy bien que no estarás.
No estarás en la calle
en el murmullo que brota de la noche
de los postes de alumbrado,
ni en el gesto de elegir el menú,
ni en la sonrisa que alivia los completos en los subtes
ni en los libros prestados,
ni en el hasta mañana.
No estarás en mis sueños,
en el destino original de mis palabras,
ni en una cifra telefónica estarás,
o en el color de un par de guantes
o una blusa.
Me enojaré
amor mío
sin que sea por ti,
y compraré bombones
pero no para ti,
me pararé en la esquina
a la que no vendrás
y diré las cosas que sé decir
y comeré las cosas que sé comer
y soñaré los sueños que se sueñan.
Y se muy bien que no estarás
ni aquí dentro de la cárcel donde te retengo,
ni allí afuera
en ese río de calles y de puentes.
No estarás para nada,
no serás mi recuerdo
y cuando piense en ti
pensaré un pensamiento
que oscuramente trata de acordarse de ti.



Julio Cortázar

sábado, 19 de setembro de 2009

Homem Mau



Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei

Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Hot Chip




De noite há movimentos para nada procurar:
moeda sobre o tampo numa rotação local,
faces sem saída, cinzas nos cinzeiros.
Vêm habitantes para um esplendor funesto
e a alma fica líquida, dobrada nos sifões,
sob as galerias, por bares subterrâneos.
Há séculos nocturnos em que as moedas giram
assim entre conversas e qualidades mortas.
Nada se procura quando não existe encontro
- e as cidades brilham nas zonas terminais,
às luzes amarelas. É preciso haver um mito
para esmerilar os restos, as areias, os pós de ouro.




Carlos Poças Falcão

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Radio 4




Nos teus lábios a noite
descreve um arco.
É o ciclo da melancolia
que se fecha.
Talvez não regresse.
Por outros sinais
lamentaremos a beleza
que, nos teus lábios,
a noite fez cessar.




Luís Quintais

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Wild Beasts




Hesitei em voltar a casa dos meus pais. Como é que eles fazem quando chove? pensei eu. Depois lembrei-me que havia um tecto no meu quarto. «Não importa!» e, desconfiado, não quis voltar.
É em vão que agora me chamam. Assobiam, assobiam na noite. Mas é em vão que utilizam o silêncio da noite para chegar até mim. É absolutamente em vão.



Henri Michaux

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Loney, Dear



The WiseDead men are wisest, for they know
How far the roots of flowers go,
How long a seed must rot to grow.

Dead men alone bear frost and rain
On throbless heart and heatless brain,
And feel no stir of joy or pain.

Dead men alone are satiate;
They sleep and dream and have no weight,
To curb their rest, of love or hate.

Strange, men should flee their company,
Or think me strange who long to be
Wrapped in their cool immunity.



Countee Cullen

domingo, 13 de setembro de 2009

Madame Godard



não me arrependo das horas que perdi a esperar-te
quando ainda havia a esperança, a esperança que
havia ainda quando, a esperar-te, perdi horas de que
não me arrependo.

um instante na memória de chegares é mais valioso
do que jardins, do que montanhas, do que anos de
tempo.

arrependo-me de ficar ao sol, de sorrir, de esquecer
que devagar passam os dias. os dias passam devagar,
esquecendo-se de sorrir ao sol e de ficar onde me
arrependo.


José Luís Peixoto

sábado, 12 de setembro de 2009

BLK JKS



Aunt Jennifer's tigers prance across a screen,
Bright topaz denizens of a world of green.
They do not fear the men beneath the tree;
They pace in sleek chivalric certainty.


Aunt Jennifer's fingers fluttering through her wool
Find even the ivory needle hard to pull.
The massive weight of Uncle's wedding band
Sits heavily upon Aunt Jennifer's hand.


When Aunt is dead, her terrified hands will lie
Still ringed with ordeals she was mastered by.
The tigers in the panel that she made
Will go on prancing, proud and unafraid.


Adrienne Rich

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Lobster





Uma fila de árvores caminha pela minha rua em direcção ao
Norte.


As árvores caminham lentamente, com o rosto
levantado, arrogantes ou tristes, com essa lentidão do
equilibrista sobre um campo de minas.


Pudessem ser amigos que fugiram da morte,
pois a morte tem apego ao Sul.


Pudessem ser uma fila de homens sem casa nem
família com a convicção do soldado que
avança para a derrota.


Mas são apenas árvores, altas, de folha perene, cujos passos
impassíveis nunca perdem o ritmo,
uma fila que o vento não dissolve nem extingue.


Eu não quero saber que dor as sujeita, nem que
mão imprudente as animou a crescer.


Apenas as observo passar, dia após dia, passar desde
a infância, desde o primeiro amor.


Quereria perguntar-lhes os nomes, mas calo-me.

Quereria que a noite chegasse e as cobrisse:

Que inclinassem apenas a cabeça ao morrer.





Jesus Urceloy

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Passion Pit



Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranquilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Ah, quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens!
Dormita!
É a véspera de não partir nunca!


Álvaro de Campos

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

The Kanguru Project



Amaram-se; souberam
a urgência do sexo, como as veias
num momento se podem encher de água
salobra, de sol estival, de peixes
voadores.
Escondiam-se
na noite do pinhal ou pelos mornos
cantos de sombra.
Sentiam, fatigados,
o rumor da borrasca ou o longínquo
zumbir da cidade.
Ao acordar pela manhã ela acreditava
sentir no quarto um perfume de rosas,
e ele pensava o primeiro verso
de um poema que afinal nunca escreveu.
As bodas foram muito excitantes.
Têm um filho notário na península
e uma filha com noivo.
São gente a que chamam respeitável.

Regressam a casa ao fim da tarde, vagarosos,
saboreando, cansados, o crepúsculo.
Algumas vezes os olhos se lhes perdem,
com uma ponta de impaciência, entre os ramos
das árvores da rua, como se buscassem
um resto de vigor ou de carícia.
Olham os anos, o céu, as horas
secas,
o relógio e a poeira. Caminham. Calam.




Josep Maria Llompart

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Southeast Engine




Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
-
Como um canto longínquo – triste e lento –
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...
-
A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.
-
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!



Antero de Quental

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Longwave



Na noite infinita dos que não têm consolo,
Sob a tremenda luz do suicídio perdem-se
suas palavras talvez, enquanto o gelo range
pelo amor que um dia, por certo, contiveram,
e que agora os levanta – oh, sim: bem lentamente –
até à própria face da Suprema Beleza.





Maria Victoria Atencia

domingo, 6 de setembro de 2009

Mahala Rai Banda



Time flows by, and has passed like rivers
Since that hallowed moment we first saw each other,
Yet I'll never forget the love we had together,
You miracle, with large eyes and cold fingers.

Oh, come back! To bring words only you can inspire,
Watch over me so your gaze gently lingers,
Let me marvel at this moment that hungers
For those new words you wring from my lyre.

You're not even aware that when you're near
A great peace descends to quell my agony,
Just like the silence at the rising of a star;

If I could only see you like a child, smiling up at me,
All the suffering of my life would disappear,
My eyes rekindle, my soul grow within me.




Mihai Eminescu

sábado, 5 de setembro de 2009

Six Organs of Admittance



nunca sabotei a vontade de
deus, e vejo ainda
o inferno, um qualquer
poema mais difícil de coleccionar



Valter Hugo Mãe

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Black Merda



Descobrir outro mundo não é apenas um facto imaginário. Pode acontecer aos homens. Aos animais também. Por vezes, as fronteiras resvalam ou interpenetram-se: basta estar presente nesse momento. Vi o facto acontecer a um corvo. Esse corvo é meu vizinho: nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados num nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu dirigia-me as apalpadelas para a estação. Bruscamente, à altura dos meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas por um bico gigantesco, e tudo isto passou como um raio, soltando um grito de terror tal que eu faço votos para que nunca mais oiça coisa semelhante. Esse grito perseguiu-me durante toda a tarde. Cheguei a consultar o espelho, perguntando a mim próprio o que teria eu de tão revoltante…
Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos resvalara, devido ao nevoeiro. Aquele corvo, que supunha voar à altitude habitual, vira de súbito um espectáculo espantoso, contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem caminhar no espaço, mesmo no centro do mundo dos corvos. Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que um corvo pode conceber: um homem voador…
Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos, e reconheço nesses gritos a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já não é, nunca mais será como os outros corvos…





Loren Eiseley

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Spoon



Se quiseres que eu me perca
buscarei outra ilha.
Esperarei a sombra diante dos olhos,
o milhafre na ravina de crisântemos.
Ao longe, correndo para a primeira luz do dia,
estarei à tua espera,
acenando com a mão esquerda,
avançando sobre o mar.
Não te esqueças,
aprendi um dia como deus nos traz um sono
leve que nos cega.




Rui Coias

terça-feira, 1 de setembro de 2009

West Philadelphia Orchestra



You must grab time by the hair,
couple subconscious helixes
in the space of a secret.

You must tickle the improbable
and believe in the impossibility
of crossroads.

You must learn to suspend
ten grams of white, five grams of black
in hopes of true scarlet.

You must know how to fall from below
to favor the zenith
of mornings to the manner born.

You must love the four mouths
floating around the silky doubt
of dead assumptions.


Bill Berkson

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