terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Tiny Vipers



Deixaram-me só
no campo, sob
a chuva fina, só.
Olhavam-me mudos
admirados
os choupos desfolhados: sofriam
com a minha dor: dor
de não saber claramente...

E a terra molhada
e os montes negros e altíssimos
calavam, vencidos. Era como se
a maldade de um deus
tivesse num só gesto
petrificado tudo.

E a chuva lavava aquelas pedras.



Sandro Penna

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Low vs Diamond



simples, crescem pausadamente
adornadas de flores que darão frutos.
vestem-se de verde esperança
e nas suas folhas nascem pássaros
que cantam entre as manhãs e as árvores
onde vorazes se guardam os dias.

efémera a voz rasga por dentro
deixam desabar a resina,
e gritam à chuva negra,
o lamento de um amor irrecuperável
nas folhas que juncam o chão,
amarelecidas nos gemidos dos ventos.

olho-as na serenidade fria do dia
maravilhada vejo-as despidas
despidas, mas sempre belas!



Lena Maltez

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

The Blakes



De ti e desta nuvem; desta nuvem
branca como voo de pássaro
em manhã de abril; de ti
e da íntima chama de um fogo
que não consente extinção;
de ti e de mim fazer um só acorde,
um acorde só; para não te perder.



Eugénio de Andrade

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Governo



no desgoverno dos sonhos,
talvez púrpura do frio, talvez
cego de sol, talvez acorde

procuro palavras que
me entendam

como imagino coisas acesas
pelos lugares e não saboto
a vontade de deus


valter hugo mãe

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Avi Buffalo



Demoro-me neste país indeciso
que ainda procura o amor
no fundo dos relógios,
que se abre
como se abrisse poros solitários
para que neles caiam ossos, vidros, pão.
Demoro-me
no ventre desta cidade
que nenhum navio abandonou
porque lhe faltou a água para a partida,
como por vezes desaparece a estrada
que nos conduz aos lugares
e ali temos que ficar.



Filipa Leal

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Orangotang



Do mundo que malmolhe ou desolha não me defendo,
nem de mim mesmo, à força
de morrer de mim na minha própria língua,
porque eu, o mundo e a língua
somos um só
desentendimento


Herberto Helder

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

The Helio Sequence




Às vezes tenho medo de esquecer tudo:
a casa onde nasci, o recreio
da escola, essas vozes
que lembram um copo de água
no verão.




Jorge Gomes Miranda

domingo, 6 de dezembro de 2009

Eugene McGuinness



Dormem entre nós dores que não
conheces. Adormeceste primeiro -
e o meu passado é um relógio antigo
que arrelia o silêncio. Se me tivesses

dito o teu nome quando chegaste,
podias fazer já parte destas memórias.



Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Atlas Sound



Num grão de areia o mundo inteiro ver
E numa flor do campo o firmamento -
Todo o Infinito em tua mão conter
E ter a Eternidade num momento.



William Blake

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Magic Wands




Procurou de entre todos aquele que mais amava.
Fê-lo em silêncio, afagando os cães
que envelheciam aos seus pés,
enquanto as mulheres iam cerzindo nos gestos
um rosário de sal.
Onde está o meu discípulo dilecto
que não o vejo, inquiriu.
Um homem lembrou-lhe então que partira
há muitas luas atrás,
carregando aos ombros um navio em chamas.

Desde esse dia a memória
não mais deixou de rondar a casa,
e o velho recolheu-se no jardim onde as estátuas
subiam às árvores com os olhos tão próximos da loucura.




Jorge Melícias

+++