domingo, 31 de maio de 2009

Spleen



A palavra é de origem grega splēn. Na língua inglesa significa baço. A conexão entre spleen (o baço) e a melancolia é oriunda da medicina grega e a teoria dos humores. Um dos humores era a bílis negra segregada pelo baço e associada com a melancolia. Em oposição a esse conceito, o Talmud aponta o baço como o "órgão da risada", ainda que não esteja descartada uma anterior relação com a medicina dos humores sobre esse órgão.

Em alemão, a palavra "spleen", representa a alguém sempre irritadiço. O baço, ao contrário, é chamado de "Milz" (parecido a "Milte", palavra que se dava ao baço em inglês antigo). No século XIX dizia-se que as mulheres mal-humoradas estavam afetados pelo spleen. Em inglês moderno "to vent one's spleen" significa "...expressar sua ira".

Na China, o spleen, representa um dos fundamentos do temperamento e se supõe que influa o poder da vontade. Assim como "venting one's spleen" (expressar a ira), "发脾气" é uma expressão utlilizada em chinês.

sábado, 30 de maio de 2009

Cruzumana



Acendem-se
as mulheres sobre as tarolas aflitas
da seara as mais antigas

as que vão à janela

despedem-se antes do beijo
assentando o láudano nas cesuras infectas.

entreolham-se.

e passam a mão nas cãs e nas estrigas obsoletas
da madrugada.

e arqueiam o corpo sobre o corpo
obsoleto da aluvião.

correram muito muitas eras dando à luz na noite.

depois
depois de regressadas
às velhas casas

atearam o pânico nas leiras
e o riso no corpo.

e acreditaram ser possível rir infinitamente.

agora não.
estão como entontecidas estranhas mães de dezembro

lambendo nos pés a febre.




Pedro Gil-Pedro

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Russian Red



Só a carne, combustível alado, acasala.
Indaguem – Poderás tu manter a voz da geografia e orografia prometidas, tua emissão sacral?
Eu falo da devassidão da pérola pelo lado de fora. Quão pura é a sua precisão de pele, o sul, o oriente.
Toda a vulva é fechada como a expansão da noite.



Maria Velho da Costa

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Virgínia Rodrigues



O sabor do café e o cigarro,
o pausado passeio cada tarde,
o cheiro da terra quando chove,
a grata conversa com um amigo
e uma rara página gostada
são teu amor à vida, os teus sentidos.
Aprofundam-se as feridas com o tempo
embora ele mesmo esconda as cicatrizes.
Passou a juventude e o que tens
chamam-lhe os néscios maturidade.



Fernando Ortiz

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Kimya Dawson



nunca sabotei a vontade de
deus, e vejo ainda
o inferno, um qualquer
poema mais difícil de coleccionar




valter hugo mãe

segunda-feira, 25 de maio de 2009

The Dodos






Eu queria descrever a mais simples das emoções
alegria ou tristeza
mas não como outros o fazem
invocando raios de sol ou chuva

Eu queria descrever a luz
que cresce dentro de mim
mas que não se assemelha
a nenhuma estrela
porque não é tão brilhante
nem tão pura
e é incerta.

Eu queria descrever a coragem
sem arrastar um leão de pó atrás de mim
e a ansiedade
sem agitar um copo cheio de água

dito de outro modo
daria todas as metáforas
em troca de uma só palavra
do meu peito arrancaria uma costela
por uma só palavra
sufocada dentro das fronteiras
da minha pele

mas aparentemente isso não é possível

e para dizer apenas – eu amo
ando às voltas como um louco
apanhando pássaros e pássaros com as mãos
e a minha ternura
que afinal não é feita de água
pergunta à água por um rosto

e a raiva
diferente do fogo
pede ao fogo
uma língua eloquente

e nada é nítido
e nada é inteiramente nítido
em mim
cavalheiro de cabelos brancos
separação de uma vez para sempre
e disse
isto está no poema
isto é o objecto

caímos no sono
com uma mão debaixo da cabeça
e a outra numa pilha de planetas

os nossos pés abandonam-nos
e provam a terra
com as suas raízes subtis
que despedaçamos dolorosamente
na manhã seguinte






Zbigniew Herbert

domingo, 24 de maio de 2009

The Gossip



Com o consentimento da neve
caminharei devagar.

Alguém haverá à espera junto do fogo
e eu, que estarei cega pelo frio,
farei paragens breves,
sacudirei o guarda-chuva e começarei de novo.

O único segredo é não sentir-se
imensamente cheio de verdades.
Não aceitar nunca os convites
que o nevoeiro
sugere ao fazer ninho com os seus disfarces
de paisagem feliz, de grandes sonhos.

Alguém haverá que diga, perdeu-se,
alguém sairá a procurar-me,
e levará o calor de uma garrafa
onde poderei mandar-te esta mensagem.





Ana Merino

sábado, 23 de maio de 2009

Air Traffic



Rangia entre nós dois a música da areia
como se fosse Agosto a dedilhar um sistro
Agora está fechada a casa onde te amei
onde à noite uma vez devagar te despiste

Floresça o clavicórdio em pleno mês de Outubro
Na harpa de Setembro entrelaçou-se a vinha
A que vem de repente entre os dois este muro
feito de solidão de sal de marés vivas

podia conjurar-te a que não me esquecesses
Mas é longe do Mar que os navios são tristes
De que serve o convés com a sombra das redes

Quis a tua nudez não quis que te despisses



David Mourão-Ferreira

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Frank Sinatra



Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,

Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...



Alberto Caeiro

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Howling Bells



Julgava que te tinha dito adeus,
um adeus contundente, ao deitar-me,
quando pude por fim fechar os olhos,
esquecer-me de ti, dessas argúcias,
dessa tua insistência, teu mau génio,
tua capacidade de anular-me.
Julgava que te tinha dito adeus
de todo e para sempre, mas acordo,
encontro-te de novo junto a mim,
dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,
invades-me, afogas-me, diante
dos meus olhos, em frente à minha vida,
por sob a minha sombra, nas entranhas,
em cada golpe do meu sangue, entras
por meu nariz quando respiro, vês
pelas minhas pupilas, lanças fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora que faço?, como posso
desterrar-te de mim ou adaptar-me
a conviver contigo? Principie-se
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.




Amalia Bautista

terça-feira, 19 de maio de 2009

Editors



Um dia destes chamo-te

E gastamos um momento para fazer amor.

A ver se é verdade isso que dizia Cernuda

De que os corpos fazem um ruído muito triste

Quando se amam.


Manuel Arana

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Tallowate



Uma agulha suja

por muitos acordes

suicidas enche-me

de catástrofes

entre o sentido

e a dissimulação

do seu destino



Lá fora dançam impessoais

as personagens-fantasma

da poética mutilação

do eterno retorno

que lá dentro dança

fora de si



Espero-me em silêncio

tal anjo perdido

poeticamente distorcido

pela palavra



Espero-te ao espelho quebrado

sem nada para te dar

entre gemidos agudos e graves

na camisa de sete forças

da palavra



A. Dasilva O

sábado, 16 de maio de 2009

Slimmy



Os melhores anos da minha vida
passaram comigo ausente, passaram
numa corrente subterrânea.
Não me apercebi de nada, distraído
com a queda das folhas,
a densa mistura de pão e desordem.

Estava tudo em aberto, mas eu não sabia
senão de pequenas querelas,
e tímidos passos à toa, sempre à espera
de não ter futuro. Sentado, como um pobre,
sobre o poço de petróleo,
eu media com tesouras as semanas,
misturava-me com livros, ansiava
pelo dia em que deixasse de sangrar.

Os melhores anos da minha vida troquei-os
por isto.



José Miguel Silva

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sean Riley & The Slowriders




Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-
mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.




Ingeborg Bachmann

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Pato Fu



Baterás duas vezes e eu abrirei
e não quererei acreditar que sejas tu.
Entrarás num andar que desconheces
e que é feito apenas para sobreviver.
E aí me encontrarás, quem sabe
porque estranho desígnio. Entrando
na sala de jantar poderás ver o teu retrato
e os nossos livros. Soará o Nocturno.
Folhearás, quem sabe, Virginia Woolf.
Virei atrás de ti com o desejo
de sentir no meu rosto os teus cabelos.
Sentar-te-ei com infinita ternura
num dos velhos sofás compartilhados
(onde estudavas nos últimos tempos
um longo monólogo de mulher
solitária — o que nunca foste). Espiarei
os teus olhos, o triste sorriso
dos teus lábios amáveis, entreabertos,
e tudo acabará com um abraço
que será o primeiro. Deixará de haver
passado ou futuro. Tudo será lógico.

E este poema nunca terá existido.




Feliu Formosa

terça-feira, 12 de maio de 2009

Röyksopp



Claro que se tem medo que alguém nos entre pelos olhos.
Mas podes arder. Para a tua temperatura sou mercúrio, li-
nhas de mão, lábio e sopro. Atravesso-te porque me atra-
vessas e onde somos corsários rendemo-nos ao encanto da
devolução.

Tu e eu à porta de um lugar que vai fechar tudo numa árvore.
Aqui onde os minutos são a rua em que nos sentamos toda
a tarde à espera do silêncio, onde o teu corpo pesa a me-
dida exacta do meu desejo.

Sou um animal. Necessito diariamente da transfusão de uma
enorme quantidade de calor. Tocas-me?




Vasco Gato

sábado, 9 de maio de 2009

David Karsten Daniels



Durante a manhã inteira a barba

ainda cresceu. O vórtice que me picava

ao fim de um dia de trabalho

já o posso adivinhar

neste círculo de flores.

O seu torso é imóvel. Nada

diviso a mover-se (um relâmpago das pálpebras?

o pensamento de um dedo?)

velo a hesitação da barba qual

néscio agarrando tempo.

Durante a manhã de março a

barba ainda cresceu

qualquer coisa dentro dele ainda

não queria morrer.



João Luís Barreto Guimarães

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Sufjan Stevens



(...)
- Ao ir e vir, parto. Hei-de ir e vir. Partir aconteceu-me. Nós todos havemos de ir, iremos todos partir. Porque eu estou aqui e onde. E irei ou não ou nunca. E já vi o que hei-de ver. Se é que estou onde hei-de estar. Porque nada surge entre mim.


Don Delillo, O Corpo Enquanto Arte

terça-feira, 5 de maio de 2009

Clinic



Entre o unicórnio e tu

O espaço de um grito

Cega procura

Do teu corpo

No interior de ti

No meu amor

Espaço entre unicórnio

E eu



Isabel Meyrelles

domingo, 3 de maio de 2009

The Boy Least Likely To



Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida,
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.


António Ramos Rosa

sábado, 2 de maio de 2009

Sleeping States



Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Não deixem o cão ladrar aos ossos suculentos,
Silenciem os pianos e com os tambores em surdina
Tragam o féretro, deixem vir o cortejo fúnebre.

Que os aviões voem sobre nós lamentando,
Escrevinhando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham laços de crepe em volta dos pescoços das pombas da cidade,
Que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.

Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,
O meio-dia, a minha meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: enganei-me.

Agora as estrelas não são necessárias: apaguem-nas todas;
Emalem a lua e desmantelem o sol;
Despejem o oceano e varram o bosque;
Pois agora tudo é inútil.


w.h. auden

sexta-feira, 1 de maio de 2009

MissinCat



Fabricava sombras,
chinesas, decorativas e pontualmente comunhões,
mas o telefone nunca tocava,
por vezes um rato cruzava o cenário,
procurando queijo, esconderijos, essas
coisas, já sabem ao que me refiro,
outras vezes havia fantoches,
amiúde ia perdendo os poucos papéis a que se podia permitir,
em raras ocasiões bebo, declarou, nunca
quando trabalho,
só quando a garrafa caiu
ao chão, e depois,
é que adivinhou aquela solidão que o contemplava,
inventou um chapéu imaginário, também de sombra,
e fez uma saudação magnífica no ar,
as cores das lâmpadas resvalam ainda pelas paredes,
as algemas embutiram as mãos, uma
última saudação, disse, o cenário, disse,
trata-se da minha vida, a solidão
brindava, tão solitário como ela o carro partiu,
outro jogo de sombras contra a parede.



Alfons Navarret

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