sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Duke Special




Eles passam através dos nossos anos
eles perscrutam o fundo dos poços
eles sabem que estão mortos
e vão contemplar o mar
eles exilam-se nos animais
prestam atenção às coisas
e fazem falar as pedras
do seu posto de vigia
eles descrevem as batalhas
e acusam o tempo
eles cantam a loucura
a sua ciência é inovar
eles usam a irrisão
eles sofrem solidão
eles criticam a morte
eles abreviam a sua vida
quando se esgotam as palavras
inclinam-se no ventre das mulheres
têm inveja das nuvens
que se dispersam
e não colhem as flores
convivem com as estações
e saboreiam cada mês
eles procuram o poema
e bebem o vinho novo
eles amam o olvido, a sombra
e estão longe dos amigos
percorrendo as rotas de sede
visitando as divindades
eles assombram outros lugares
e desenham a chuva,
mostrando a vaidade do bem
surpreendem-se, abandonam-se
abraçam a preguiça sobre as camas
afirmam em vez de dizerem
eles contemplam os ratos sob a lua
e naufragam na última manhã


Jude Stéfan

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Horse Feathers


No peito uma dor que entope a fala e que a pede. Uma dor inexplicável e insolúvel que brota águas e uivos lancinantes e não pára e nada pára. A dor dos desastres recorrentes. A dor que já não sei se é de ti, se de mim, se de tudo ou de tanto nada. A dor que quero curar e nada cura. Como queria quem me ensinasse o mundo.


Clara

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Two Gallants



Ontem à noite sonhei que paria cachorros,

Cachorros teus que vendia em auto-estradas desertas.

Paria sem ventre sem estômago cheio de caprichos benzidos.

Sem maçãs vomitadas à meia-noite.

Paria cães húmidos que limpava com os teus panos sujos,

Toalhas rotas de hotéis onde nunca estivemos.

Despertei com a tua ausência tão mal sintonizada como sempre,

Como sempre repleta de café morno queimando os meus sonhos.

E fria a noite, húmida a almofada.

Não descias a mim para me abraçar,

Caminhavas com pedras nas botas,

Com a gravata atada pela cintura.

Com pulsações prenhes de areia molhada

destruías o nosso rasto.

Ladra a tua voz de novo nos espelhos, hoje.



Celia Léon

domingo, 25 de janeiro de 2009

Queens of the Stone Age



Antes do contágio, o hálito do prazer era-me constantemente familiar e os corvos suaves ferviam tolhidos no carro do miradouro. O filamento do vazio, emaranhado no interior do desejo, era o magnífico solo na distribuição de pedaços de jornal, com o meu telefone escrito a azul bebé, ao longo dos sexos molhados. Destrambelhados delitos cometidos, mas do culpado nem rasto sequer. Desrespeitei-me muitas vezes, mas depois do positivismo ao máximo, andamos perdidos com anatomias e angústias semelhantes. Aos corpos desmiolados, atiçados em conferência de imprensa, tudo lhes perdoo, excepto o princípio do vírus. No fundo, somos todos potenciais seres humanos, partilhamos tudo e tudo oferecemos, até a morte lenta. Na mitologia, a materialização da vacina. Aparição estragada, futuro sem lugar, imaginação desabitada para dentro do esqueleto minado. Apalpo-me em múltiplas ocasiões, mas das zonas endógenas inchaços, hematomas, nódoas, quistos. Tenho a protecção física flectida sob todo o tipo de infecções. Estremeço de medo, por detrás da latrina vertebrada. Os comprimidos são ímanes para a loucura, bengalas, hélices no deslocamento entre as várias divisões do lar. Na doença fealdade, tosse, cor amarela, pele amarela, bolor, desastre, estatística da pena. No imprevisto, a criatura amada fugiu antes de ter tropeçado no precipício ininstante. A análise sísmica foi-lhe favorável, nem sei bem como. Naquele dia tocou-me no braço e disse: - Mesmo que não me suicide antes, deixo-te para morreres à vontade, sem perturbações, na proibição dos átomos. Falta somente esculpir a execução. Assunto arrumado.




Cláudia Afonso

sábado, 24 de janeiro de 2009

Jenny Saville



sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Azure Ray



So I'm waiting for this test to end
So these lighter days can soon begin
I'll be alone but maybe more carefree
Like a kite that floats so effortlessly
I was afraid to be alone
Now I'm scared thats how I'd like to be
All these faces none the same
How can there be so many personalities
So many lifeless empty hands
So many hearts in great demand
And now my sorrow seems so far away
Until I'm taken by these bolts of pain
But I turn them off and tuck them away
'till these rainy days that make them stay
And then I'll cry so hard to these sad songs
And the words still ring, once here now gone
And they echo through my head everyday
And I dont think they'll ever go away
Just like thinking of your childhood home
But we cant go back we're on our own
Oh,
But i'm about to give this one more shot
And find it in myself
I'll find it in myself
So were speeding towards that time of year
To the day that marks that you're not here
And i think I'll want to be alone
So please understand if I dont answer the phone
I'll just sit and stare at my deep blue walls
Until I can see nothing at all
Only particles some fast some slow
All my eyes can see is all I know
Ohh..
But I'm about to give this one more shot
And find it in myself
I'll find it in myself

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Buika / Manuel Cintra



E dói-me esse rio de já me não amares

de já me não quereres assim como eu te quero

de não sobressaltares porque sou eu que te espero

em esquinas de lágrima ou sorriso

foi-se o amor chegou o siso

e eu

que não nasci para ter juízo


E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas está, dê para o que der

e doa a quem doer


Passam sanguessugas pelos trilhos da memória

umas são mortas, outras são vivas,

outras são glória

de já não existir e teimar em persistir

e eu vou ao vento, sou palmeira seca,

sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim

sou uns dias teu, outros assim assim


E dói-me o teu ventre que não afago

como quem depois de amanhã se afoga

e hoje apenas sente, e já pouco quer

para além de seres mulher


E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou

mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música

perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa

é coça umbigo, vai ter que parar


Mas dói-me o teu ventre que não afago

como quem não sabe nadar

e hoje é de festa, amanhã é de mar

é de mar



Manuel Cintra

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

The Silent Years



Amar é dar, derramar-me num vaso que nada retém e sou um fio de cana por onde circulam ventos e marés. Amar é aspirar as forças generosas que me rodeiam, o sol e os lumes, as fontes ubérrimas que vêm do fundo e do alto, água e ar, e derramá-las no corpo irmão, no cadinho que tudo guarda e transforma para que nada se perca e haja um equilíbrio perfeito entre o mesmo e o outro que tu iluminas. Dar tudo ao outro, dar-lhe tanta verdade quanta ele possa suportar, e mais e mais; obrigar o outro a elevar-se a um grau superior de eminência, fulguração, mas não tanto que o fira ou destrua em overdose que o leve a romper o contrato — o difícil equilíbrio dos amantes! Amar é raro porque poucos somos capazes de respirar as vastas planícies com a metade do seu pulmão; e amar é raro porque poucos aceitam a presença do seu gémeo, a boca insaciável de um irmão que todos os dias o vento esculpe e destrói.


Casimiro de Brito

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Ian Francis




domingo, 18 de janeiro de 2009

Dirty Three / Ana Salomé



Só mais uma menina entre outras

E o quadro negro onde escrever o teu nome a giz

Como um erro ortográfico do coração.


Castigo.


Entre nós o alto muro do recreio

E a obrigação de permanecer só.



Ana Salomé

sábado, 17 de janeiro de 2009

Damien Jurado / Douglas Coupland




Ora eu sou urna pessoa afectuosa, mas custa-me muito mostrá-lo.

Quando era mais novo, costumava preocupar-me muito a ideia de ficar só, de ninguém me amar ou de ser incapaz de amor. À medida que os anos foram passando, as minhas preocupações mudaram. Passei a temer ter-me tornado incapaz de uma relação, de oferecer intimidade. Sentia-me como se o mundo vivesse dentro de uma casa confortável à noite e eu estivesse cá fora, e ninguém me visse por estar cá fora de noite. Mas agora estou dentro da casa e sinto-me precisamente na mesma.

Aqui sozinho, agora, todos os meus medos irrompem, os medos que julguei enterrar para sempre quando me casei: medo da solidão; medo de que estar sempre a apaixonar-me e a desapaixonar-me tornasse mais difícil amar; medo de nunca sentir o verdadeiro amor; medo de que alguém se apaixonasse por mim, ficasse extremamente próximo, a saber tudo de mim, e depois desligasse a ficha; medo de que o amor só fosse importante até certo ponto depois do qual tudo é negociável.

Durante muitos anos, vivi urna vida solitária e achava a vida boa. Mas sabia que se não explorasse a intimidade e partilhasse a intimidade com mais alguém, a vida nunca iria além de certo ponto. Lembro-me de pensar que, se não soubesse o que ia dentro de outra cabeça além da minha, ia explodir.



Douglas Coupland

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

matt pond PA



O acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo do conhecimento, que é também fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome, é a sua moral. E não há outra. Nesse mergulho do homem nas suas águas mais silenciadas, o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma pluralidade. Mas, curiosamente, o espírito humano atenta mais facilmente nas diferenças do que nas semelhanças, esquecendo-se, e é Goethe quem o lembra, que o particular e o universal coincidem, e assim a palavra do poeta, tão fiel ao homem, acaba por ser palavra de escândalo no seio do próprio homem. Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar. Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio, pois esse ser sedento de ser, que é o poeta, tem a nostalgia da unidade, e o que procura é uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência.


Eugénio de Andrade

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Yann Tiersen / João Cabral do Nascimento



Deixa-te estar na minha vida
Como um navio sobre o mar.

Se o vento sopra e rasga as velas
E a noite é gélida e comprida
E a voz ecoa das procelas,
Deixa-te estar na minha vida.

Se erguem as ondas mãos de espuma
Aos céus, em cólera incontida,
E o ar se tolda e cresce a bruma,
Deixa-te estar na minha vida.

À praia, um dia, erma e esquecida,
Hei, com amor, de te levar.
Deixa-te estar na minha vida.
Como um navio sobre o mar.



João Cabral do Nascimento

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Otto Dix



domingo, 11 de janeiro de 2009

The Coral Sea



Fell into her sides that crept up before my eyes
Severed all her thoughts that completely destroyed my mind
Held her to the ground before I let her go

I fell inside of you then I let you down
I let you down

Inside us divide us
You know we're cooperated
I always left you to find

Employ us destroy us
It makes no difference lately
I always let you divide
I always let you divide

I fell inside of you then I let you down
I let you down

...

sábado, 10 de janeiro de 2009

Arctic Monkeys / Francisco José Viegas



Uma eternidade, mesmo se a tivesse nos dedos,
seria pouco para o tempo que a chuva demora
nos teus lábios: quase o tempo de
um pássaro rondar as rosas, e morrer.


Francisco José Viegas

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Ron Mueck





quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Iron & Wine



Se não fôssemos perdoados, eximidos das consequências daquilo que fizemos, a nossa capacidade de agir ficaria por assim dizer limitada a um único acto do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas das suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço. Se não nos obrigássemos a cumprir as nossas promessas não seríamos capazes de conservar a nossa identidade; estaríamos condenados a errar desamparados e desnorteados nas trevas do coração de cada homem, enredados nas suas contradições e equívocos - trevas que só a luz derramada na esfera pública pela presença de outros que confirmam a identidade entre o que promete e o que cumpre poderia dissipar. Ambas as faculdades, portanto, dependem da pluralidade; na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são no máximo um papel que a pessoa encena para si mesma.

Hannah Arendt

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

os vossos lugares - setúbal



Setúbal - Portugal

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Feist



Agora as pessoas
não sabem morrer
estar doentes
sofrer
ter prazer
tocar-se
dantes também não
(Ó mais nu
e branco dos homens)


Adília Lopes

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Paisagens da mesma solidão

Ninguém me disse, um dia,
No escuro
Que há palavras que são sítios por dentro.

Ninguém me disse, um dia,
Que há noites que são quase lugares.
Paisagens da mesmo solidão,
Plena de outros lados:
As lágrimas principais.

Como ruas assim,
Que se existissem de tanto silêncio,
Seriam planícies de mais frias
E despovoadas,
Morrendo com tanta força que nunca
Se encontrariam no mesmo medo.

Porque no silêncio,
Há sempre o perigo de palavras às escuras

(onde tenho todas as ruas do mundo
À minha espera)


Duarte Temtem

sábado, 3 de janeiro de 2009

Iggy Pop / Rui Pires Cabral



Truncadas, indefinidas, passam
na memória como filmes mudos
pequenas histórias de amor
carnal. Os grandes caudais da noite
sempre desaguam na tarde salobra
e rasa: Janeiro amolece a tinta
das paredes, levamos à rua uma cara
mais fechada, e depois, na secção
dos congelados, não sabemos distinguir
o que sentimos além do frio que represa
as coisas todas: caminhamos sós

num privado bosque, convocamos
sombras que foram perdendo o nome,
sinais que não transportam já
um sentido automático de desejo
ou sofrimento. E contudo, à revelia
das certezas que não quiséramos ter,
acabamos sempre por tornar
às mesmas ruas, à noite insone
e imensa, onde nos dói descobrir,
na companhia dos outros,
o quanto nos reclama a solidão.


Rui Pires Cabral

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Kings Of Leon / Confúcio



Se há pessoas que não estudam ou que, se estudam, não aproveitam, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não interrogam os homens instruídos para esclarecer as suas dúvidas ou o que ignoram, ou que, mesmo interrogando-os, não conseguem ficar mais instruídas, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não meditam ou que, mesmo que meditem, não conseguem adquirir um conhecimento claro do princípio do bem, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não distinguem o bem do mal ou que, mesmo que distingam, não têm uma percepção clara e nítida, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não praticam o bem ou que, mesmo que o pratiquem, não podem aplicar nisso todas as suas forças, elas que não se desencorajem e não desistam; o que outros fariam numa só vez, elas o farão em dez, o que outros fariam em cem vezes, elas o farão em mil, porque aquele que seguir verdadeiramente esta regra da perseverança, por mais ignorante que seja, tornar-se-á uma pessoa esclarecida, por mais fraco que seja, tornar-se-á necessariamente forte.


Confúcio

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