quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

The Album Leaf



Novo Ano, mas não nova vida. Quem pensa em ser mais crédulo, se tem medo de ser enganado? Se o mundo é de enganos, por que não deixar que nos façam pirraças e troças? Ninguem quer ser parvo, e é pior: porque para não ser enganado, desonra-se como pessoa de lisura e sinceridade. Há mais cobardes em ser iludidos, do que em ir para a guerra. Quando os simples são afinal os mais poderosos e quem cede, ganha.


Agustina Bessa Luís

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

não desenroles tanto a noite...

não desenroles tanto a noite

em tua pele. não equipares ao corpo

o tropel das palavras

na toalha. não encalhes em mim

tanta beleza. aperta

a blusa. recolhe do meu rosto

os teus olhares, alguma lágrima

brilhando sobre a mesa.

sossega. é cedo ainda

para o deserto trepidante

do desejo. não julgues saber já

que desenlaces

o meu corpo procura

sobre o teu. nem eu te ofereço

o armadilhado morango

do amor. apenas peço

que adormeças,

que dês lugar na cama

ao meu fantasma.

coloca o coração

numa órbita prudente. talvez não tarde

o tempo,

o lugar onde eu te diga

as palavras que desligam

os alarmes que instalei

em toda a alma.


Luís Miguel Queirós

domingo, 28 de dezembro de 2008

Da Weasel / Manel Cruz / Heiner Müller



As imagens significam tudo a princípio. São sólidas. Espaçosas.
Mas os sonhos coagulam, fazem-se forma e desencanto.
Já o céu não há imagem que o fixe. A nuvem vista do
Avião: um vapor que nos tira a vista, o grou, um pássaro, mais
nada
Até o comunismo, a imagem final, sempre refrescada
Porque lavada com sangue tantas vezes, o dia-a-dia
Paga-lhe um salário modesto, sem brilho, cego de suor,
Escombros os grandes poemas, como corpos muito tempo
amados e
Postos de lado agora, no caminho da espécie exigente e finita
Nas entrelinhas lamentos

sobre ossos feliz o carregador de pedra

Porque o belo significa o fim provável dos terrores.



Heiner Müller

sábado, 27 de dezembro de 2008

Black Box Recorder


I.

Na cidade não se falava de amor

mas eu amava

e resistia à cidade

porque falava de amor.

II.

Uns viviam em ruas com nome

de escultor,

outros viviam em ruas com nome

de pintor,

muito poucos viviam em ruas com nome

de gente.

III.

Na cidade tudo era circular:

terminava no mesmo ponto

em que começava.

Redondos, inúteis,

sobrevivíamos

como as montanha lá ao fundo.


Filipa Leal

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Blonde Redhead



Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia


Mia Couto

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A Weather



We lost a couple years, like a Christmas box,
crushed under the weight of standing still.
I'm serious, there's no way you could be forgot.
The birds remember how to come home.

You left her from the basement, I was fading out,
the earthquake like a giant passing truck.
If I lose everything, then I lose you
but I'll lose all the really bad things too.

I don't feel so alive tonight,
the lightest things feel very heavy.
And you want to find a hedgehog friend.
You're talking like a girl again.
Takes a lot to makle you feel tempted.

It takes a lot of quills,
and I will, I will.
Takes a lot to make you cry,
and I will, I will.
Like a ghost without a throat,
held still until
he won't feel so killed.

You get stuck, move if you can.
Bread in your hand, those hungry looks won't hardly stand.
I guess I feel a bit lost without you,
a middle thumb stuck in your belt.

Oh believe me,
I will have no more of thee
and I'll drive you far away from me.

I'm gonna fly right through the walls,
don't be scared at all.
I'm gonna float above your bed,
I will, I will.
I'm gonna kiss you on your head,
miss you won't know,
you'll just feel a little wind instead.

In your dream I'm noticing the way she sits,
but tonight I'm letting you drive.
If you wannt touch me just a little bit,
you better use your smallest left hand.

I'm shaking like a candle light,
blow me out alright, already.
I get gone on whisky and cocaine,
on cought syrup and codiene.
Watch me move like nothing you see,
brush your hand across where you felt me.
Do I pass the feather test?

Is there any hope for me?
Oh, believe me,
I will have no more of thee
and I'll drive you far away from me.

It takes a lot of faith,
to not to know
that the coaster if

It takes a lot of god's will.
I will, I will.
It takes a quills,
until you know.
Like a hedgehog, believe it will.

We lost a couple years, like a Christmas box,
we knew that sometimes you'd feel better somehow.
I will, I will.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Tool / Amadeu Baptista




coisas há que a vida transfigura

como se de repente o tempo se abrisse

e o que era sagrado fosse mais sagrado

e mais belo o movimento sobre o movimento

e em cada cúpula a pomba anunciasse

o derradeiro sinal

tantas vezes sonhado e esperado.

sobre a surpresa outra surpresa paira

e a sucessão dos dias e das noites

é à memória que sempre deve tudo

quando na cintilação outra luz se abre

e sobre a praia uma criança corre

com o passado nos olhos onde o futuro vibra

e a fulguração de um rosto alastra para sempre

sobre a linha clara da rebentação.

falando de tristeza há um vínculo que se cumpre

porque tudo se cumpre quando se acredita

e há-de ser o amor o bem que se procura

nesse laço que a memória pressente no presente

e vem iluminar o fio indivisível

do mistério que arde em toda a parte.

o poema o revele e o nome que o assine

e a total alegria com que se entregue o poeta,

nem sequer inocente, nem sequer indeciso,

porque o céu testemunha o que já está escrito

e a estrela que brilha é a estrela da tarde

e brilha mais o brilho em que se acredita.'



Amadeu Baptista

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Stacey Kent / Paul Auster



Azul. E nesse azul uma sensação
de verde, as cinzentas calotas de nuvens
amparadas contra o ar, como se
na ideia da chuva
o olhar
pudesse domar a fala
de um dado momento


na terra. Chamem-lhe o céu. E assim
descrever
o que quer
que vemos, como se nada mais fosse
que a ideia
de algo que tínhamos perdido
cá dentro. Podemos começar, pois,
a recordar


a terra dura, as estrelas
dardejantes de sílex, os undíferos
carvalhos, soltos
pelo resfolegar do vento, e assim até
à mais ínfima semente, descobrindo
o que sobre nós cresce, como se
por causa deste azul pudesse haver
este verde


que alastra, nisto inumerável
e milagroso, o mais silente
momento do verão. Sementes
falam deste ciclo, definem
o lugar onde o ar e a terra irrompem
nesta profusão de acaso, as aleatórias
forças da nossa falta de conhecimento
acerca daquilo
que vemos, e meramente falar disso
é ver
como as palavras nos falham, como nada sai bem
no dizer disso, nem sequer estas palavras
que sou levado a dizer
em nome deste azul
e deste verde
que se dissipam
no ar do verão.


Impossível
Continuar a ouvi-lo por mais tempo. A língua
para sempre nos aparta
de onde estamos, e em parte alguma
podemos repousar
nas coisas que nos são dadas
a ver, pois cada palavra
é outra parte qualquer, algo que se move
mais depressa que o olhar, mesmo
enquanto se desloca este pardal,
voluteando rumo ao ar
onde não tem lar algum. Não acredito, então,
em nada


do que te possam dar estas palavras,
e contudo ainda posso senti-las
a falar através de mim, como seja
isto somente
o que desejo, este azul
e este verde, e dizer
como este azul
se tornou para mim na essência
deste verde, e mais do que a pura
visão disso, quero que sintas
esta palavra
que o dia inteiro viveu
dentro de mim, este
desejo de nada


que não o dia em si mesmo, e o modo como cresce
dentro dos meus olhos, mais forte
do que a palavra de que é feito,
como se jamais
outra palavra


me pudesse amparar
sem se quebrar.



Paul Auster

domingo, 21 de dezembro de 2008

A Toys Orchestra



Era Inverno e nós tínhamos sede.
Talvez por causa do medo, essa forma
de sermos fiéis a nós próprios.
Cambaleámos até ao fundo de Lisboa,
que nesse dia se estipulou ser uma casa
outrora propriedade de um judeu.
Pássaros esvoaçavam numa sala sem gente,
a janela ao fundo, em contraluz.
Escondemo-nos atrás de uma cortina,
espreitando pelo canto da janela
a memória do nosso passado comum.
Depois, estupidamente, discutimos
poesia. Éramos cinco. Decidimos
separar-nos em grupos de quatro.
Por qualquer razão fiquei sozinho.



Vítor Nogueira

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Nina Kinert



Às vezes assusta-me este novo riso que tenho. Não que antes não risse, mas exactamente porque antes ria e este riso não ri. Apenas revérbero negro do que seria um sorriso se alguma alegria o tomasse. Só que não há alegria e o riso perpetua-se negro sob o céu pesado do olhar de outros que se perguntam e com razão: estará a ficar louco? Por mim nunca me coloquei a questão (é o olhar deles que me assusta). Nos dias a questão foi sempre outra: como sobreviver a esta dor sem pausa? Como atravessar este grito sem fim? É para ela que o riso é solução.


Jorge Roque

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Stendhal

Desde que se ame, o mais sensato dos homens não vê nenhum objecto tal como é. Exagera para menos as suas próprias vantagens e para mais os menores favores do objecto amado. Os temores e as esperanças transformam-se imediatamente em algo de romanesco. Deixa de atribuir seja o que for ao acaso; perde o sentido das probabilidades; uma coisa imaginada é uma coisa existente que influi na sua felicidade.
Um signo aterrador de que se está a perder a cabeça é que, ao pensar em qualquer facto, por minúsculo e difícil de observar que seja, o vejamos branco e o interpretemos em favor do nosso amor; um instante depois, verificamos que na realidade era negro, e mesmo assim ainda o achamos favorável ao nosso amor.
É nessa altura que uma alma presa de mortais incertezas sente vivamente a necessidade de um amigo; mas para um amante já não há amigos, como muito bem se sabia nas cortes. Eis a fonte da única espécie de indiscrição que uma mulher é capaz de perdoar.

Stendhal

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

The Notwist



Idiot job 203
Newspapers shoot their letters at me
I'm alone at last with every other me
Guardian help me, angel shoot
All you ghosts stand by and salute
And explain:

Why is everything so locked up?

Lake is empty, lake is full
People say it's a push and pull
I know I did the wrong mistake again.
Guardian help me, angel shoot
All you ghosts stand by and salute
And explain:

Why is everything so locked up?

I don't blame it on the front row
don't blame it on them ruin glass
don't blame it on the signal
don't blame it on the steering wheel
don't blame it on the logbooks

'Cause I know they stray
Like all the cars in NY
Like all the lights on New Year
Like all these gloomy planets
You know they stay


Anyway.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Maria Callas / Ricardo Reis



Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

Ricardo Reis

domingo, 14 de dezembro de 2008

Osvaldo Gonzalez




sábado, 13 de dezembro de 2008

Winterpills



Que faria eu sem este mundo sem rosto sem questões
Quando o ser só dura um instante onde cada instante
Se deita na vida dentro do esquecimento de ter sido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se dissipam
Que faria eu sem este silêncio abismo de murmúrios
Arquejando furiosos em direcção ao socorro em direcção ao amor
Sem este céu que se eleva
Sobre o pó dos seus lastros
Que faria eu eu faria como ontem como hoje
Olhando para a minha janela vendo se não serei o único
A errar e a mudar distante de toda a vida
preso num espaço marionete
Sem voz entre as vozes
Que se fecham comigo.



Samuel Beckett

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Death Cab for Cutie



O facto é que me interessa muito mais um padeiro que um economista.

Se ao menos a gente pudesse viver com as coisas mais simples em vez de recordar as complicadas. Voltar à pobreza do elementar: luz, água, pedra. O avô de alguém que me é querido dizia de uma pessoa boa É bom como o pão e ao lado disto que maior elogio se pode fazer? A nossa língua torna-se maravilhosa com palavras como estas É bom como o pão e lembro-me das mulheres que beijavam o pão duro antes de o deitar fora, da minha avó que se horrorizava ao ver um pão ao contrário: punha-o logo direito a pedir desculpa em silêncio, movendo a boca. Sempre me senti bem nas padarias: o cheiro, o lume, os padeiros enfarinhados que eu achava, acho ainda, serem anjos que se transviaram, de braços cobertos por uma poeira celeste. Tudo neles era branco até as sobrancelhas, as pestanas. O olhar branco também. Os gestos. Não olhos cegos, olhos brancos. E eu à porta a espantar-me. O eco das vozes nos tijolos, dos passos, da lenha no forno. Bom como o pão: ora toma, António. Aprende a escrever à maneira. O facto é que me interessa muito mais um padeiro que um economista. Ou um gestor.

Criaturas que, não sei porquê, me dão pena: economistas, gestores, administradores, directores, banqueiros. Deve ser triste ganhar dinheiro assim. O que sonhará um economista, a que brincava um gestor em criança? Ou nasceram já crescidos? Imagino-os debaixo do chuveiro, de gravata, a falar ao telemóvel. E sabe-se que são velhos não pelo aspecto mas porque quando contam que arranjaram uma secretária boa se referem a um móvel. O que sonhará um economista posso imaginar mais ou menos, agora o que sonha a mulher de um economista é que me preocupa. Se eu fosse mulher de um economista sonhava com canalizadores ou mecânicos de automóvel, homens que usam as mãos e não lêem revistas de golfe nos domingos de chuva. Estou a brincar. Não conheço nenhum economista, aliás. Se conhecesse abria-lhe logo a tampa a fim de espiar o que traz na barriga: cartões de crédito, canetas caras, camisas por medida? Sempre andei mal enjorcado, eu, para desespero da minha mãe:

Andas tão mal enjorcado, filho.

Todos os anos a minha companhia lá da guerra faz um almoço com os que sobejam da miséria em que andámos. Não neste último almoço, no penúltimo, o furriel Firmino Alves começou a anotar os telemóveis dos nossos camaradas para os contactos da refeição seguinte, até que chegou ao Pontinha. Pontinha é a alcunha do ordenança da messe de oficiais, que morava na Pontinha. Como a cabeça dele era grande (continua a ser grande) chamavam-lhe também Porta-aviões porque dava para os aviões aterrarem.

O Pontinha, como muitos dos soldados, vive com dificuldades. Ao fim-de-semana engraxa sapatos na mira de equilibrar o orçamento. Gosto muito do Pontinha a quem obrigava a cortar a carne em bocados de dois por três centímetros, por haver decidido ser a capacidade da minha boca. Media aquilo e exigia Quatro milímetros a mais, Pontinha, corta outra vez e o Pontinha, que remédio, cortava. Ainda hoje, nesses almoços, me quer cortar a carne. Falar nos meus camaradas comove-me: a expressão irmãos de armas é tão verdade. Enquanto nos aguentarmos por cá. Mesmo depois. Zé Jorge: continuamos irmãos de armas. Cabo Sota: admiro a tua coragem até ao fundo da alma. Sozinho com a Breda, uma metralhadorazeca, aguentou um ataque.

E vive mal, percebem? Como se deixa viver mal um herói? Ao acompanhá-lo ao táxi em que voltava, doente, ao Alentejo, avisei o condutor:

Você leva aí um grande homem, sabia, um dos maiores homens que conheço e, como todos os grandes homens da guerra, de uma infinita modéstia, bondoso e sereno. Não lhe chego aos calcanhares. Cabo Sota, tu mereces a continência de um general. O Zé Luís, oficial de operações especiais, que em matéria de coragem não necessitava de aprender com ninguém:

Eram duros

expressão que constitui para nós o supremo elogio. Adiante. Contava eu que o furriel Firmino Alves anotava os telemóveis até que chegou ao Pontinha e como fizera com os outros perguntou:

Tens um telemóvel, Pontinha?

e o Pontinha logo, a mostrar serviço:

Não, mas a minha mulher tem um microondas não fosse a gente pensar que ele era um badameco qualquer. Pode parecer esquisito ou parvo ou o que quiserem, mas quem cortava a minha carne era um magnata cuja mulher tem um microondas, e aí está o melhor título de nobreza (aliás o único) que possuo. Este ano o Pontinha, depois de me desdobrar o guardanapo (se eu o desdobrasse ele ofendia-se) olhou-me bem nos olhos e declarou:

Se quiser vou para sua casa, faço-lhe o comer, dou-lho e não levo um tostão por isso e eu todo arrepiadinho de ternura. Boaventura, Nini, Licínio, vocês todos caramba como a gente somos irmãos. Unamuno, que muito respeito, tem páginas admiráveis acerca da valentia dos portugueses. Tens razão, Zé Luís: eram duros. Ganas de explicar às mulheres deles, aos filhos deles, o orgulho que tenho em ser amigo dos pais, em que os pais sejam meus amigos. Não: irmãos de armas. Não: irmãos. E bons como o pão. Ao lado disto que maior elogio se pode fazer? Ao menos que o País os beije antes de os deitar fora e lhes peça desculpa. E há mais anjos para além dos padeiros, de arma nas unhas mata fora. Nenhum deles é banqueiro, claro. Nem administrador. Nenhum deles joga golfe. Jogaram golfe num campo de um só buraco onde não é a bola que cai.

É um rapaz de vinte anos. E acabo aqui, antes que seja tarde para marcar o número de um microondas.


António Lobo Antunes

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Willard Grant Conspiracy



When I am dead and over me bright April
Shakes out her rain-drenched hair,
Though you should lean above me broken-hearted,
I shall not care.

I shall have peace, as leafy trees are peaceful
When rain bends down the bough,
And I shall be more silent and cold-hearted
Than you are now.


Sara Teasdale

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Rui Reininho / Simone Weil



A função própria da inteligência exige uma liberdade total, implicando o direito a tudo negar e nenhuma dominação. Sempre que ela usurpa um comando, há excesso de individualismo. Sempre que se encontra tolhida, há uma colectividade opressiva, ou várias.
A Igreja e o Estado devem puni-la, cada um à sua maneira, quando ela aconselha actos que eles desaprovam. Quando ela permanece no campo da especulação puramente teórica, eles têm ainda o dever, se for caso disso, de pôr o público de sobreaviso, por todos os meios eficazes, contra o perigo de uma influência prática de certas especulações na condução das vidas. Mas, sejam quais forem essas especulações teóricas, Igreja e Estado não têm o direito nem de procurar abafá-las nem de inflingir aos seus autores quaisquer danos materiais ou morais.

Em especial, não se deve privá-los dos sacramentos se estes os desejarem. Porque, seja o que for que tenham dito, mesmo que tenham negado publicamente a existência de Deus, é possível que não tenham cometido qualquer pecado. Em tal caso, a Igreja deve declarar que se encontram em erro, mas não exigir deles seja o que for que se assemelhe a um desmentido do que afirmaram, nem privá-los do pão da vida.
Uma colectividade é guardiã do dogma; e o dogma é um objecto de contemplação para o amor, a fé e a inteligência, três faculdades estritamente individuais. Daí um mal estar do indivíduo no cristianismo, quase desde a origem, e especialmente um mal estar da inteligência. Não podemos negá-lo.

Simone Weil

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

El Perro del Mar



Um estranho paradoxo: as pessoas, quando agem, têm em mente o interesse privado mais mesquinho, mas ao mesmo tempo, no seu comportamento, são mais do que nunca determinadas pelo instinto das massas. E mais do que nunca, o instinto das massas tornou-se errado. O obscuro instinto do animal - como inúmeros episódios o comprovam - encontra a saída para o perigo iminente mas ainda invisível. Em contrapartida, esta sociedade, onde cada um tem apenas em vista o seu próprio interesse mesquinho, sucumbe como uma massa cega, com estupidez animal mas sem a estúpida sabedoria dos animais, a todo o perigo, ainda que muito próximo, e a diversidade dos objectivos torna-se insignificante, ante a identidade das forças determinantes.

Muitas vezes se tem demonstrado que é tão rígida a sua fixação à vida habitual, mas de há muito perdida, que acaba por não se verificar a aplicação efectivamente humana do intelecto, a previdência, até mesmo ante o perigo iminente. Assim a imagem da estupidez completa-se nela: insegurança, ou mesmo perversão dos instintos vitais, e desfalecimento ou até decadência do intelecto.

Walter Benjamin

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Parliament Funkadelic



He had his dream, and all through life,
Worked up to it through toil and strife.
Afloat fore'er before his eyes,
It colored for him all his skies:
The storm-cloud dark
Above his bark,
The calm and listless vault of blue
Took on its hopeful hue,
It tinctured every passing beam --
He had his dream.

He labored hard and failed at last,
His sails too weak to bear the blast,
The raging tempests tore away
And sent his beating bark astray.
But what cared he
For wind or sea!
He said, "The tempest will be short,
My bark will come to port."
He saw through every cloud a gleam --
He had his dream.


Paul Laurence Dunbar

domingo, 7 de dezembro de 2008

Fagundes, o puxa-saco





sábado, 6 de dezembro de 2008

paranoid android




Please could you stop the noise, I'm trying to get some rest
From all the unborn chicken voices in my head
What's this? (I may be paranoid, but not an android)
What's this? (I may be paranoid, but not an android)

When I am king, you will be first against the wall
with your opinion which is of no consequence at all
What's this? (I may be paranoid, but no android)
What's this? (I may be paranoid, but no android)

Ambition makes you look pretty ugly
Kicking, squealing, gucci little piggy
You don't remember
You don't remember
Why don't you remember my name?
Off with his head, man
Off with his head, man
Why don't you remember my name? I guess he does...

Rain down, rain down
Come on rain down
on me
From a great height
From a great height... height...
Rain down, rain down
Come on rain down on me
From a great height
From a great height... height...
Rain down, rain down
Come on rain down on me

That's it sir
You're leaving
The crackle of pigskin
The dust and the screaming
The yuppies networking
The panic, the vomit
The panic, the vomit
God loves his children, God loves his children, yeah!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Giving Up



What if we stop having a ball?
What if the paint chips from the wall?
What if there's always cups in the sink?
What if I'm not what you think I am?

What if I fall further than you?
What if you dream of somebody new?
What if I never let you win, chase you with a rolling pin?
Well what if I do?

cause...
I am giving up on making passes and
I am giving up on half empty glasses and
I am giving up on greener grasses.
I am giving up.

What if our baby comes home after nine?
What it your eyes close before mine?
What if you lose yourself sometimes? Then I'll be the one to find you
Safe in my heart.

cause...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

You Picked Me



Nem paz nem felicidade se recebem dos outros nem aos outros se dão. Está-se aqui tão sozinho como no nascer e no morrer; como de um modo geral no viver, em que a única companhia possível é a daquele Deus a um tempo imanente e transcendente e a dos que neles estão, a de seus santos. Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos: aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do mundo físico e do mundo do proceder e toda a experiência que vamos fazendo, negativa mesmo para todos, a podemos transformar em positiva. Para o fazermos, se exige pouco, mas um pouco que é na realidade extremamente difícil e que não atingiremos nunca por nossas próprias forças: exige-se de nós, primacialmente, a humildade; a gratidão pelo que vem, como a de um ginasta pelo seu aparelho de exercício; a firmeza e a serenidade do capitão de navio em sua ponte, sabendo que o ata ao leme não a vontade de um rei, como nos Descobrimentos, mas a vontade de um rei de reis, revelada num servidor de servidores; finalmente, o entregar-se como uma criança a quem sabe o caminho. De qualquer forma, no fundo de tudo, o que há é um acto de decisão individual, um acto de escolha; posso ser, se tal me agradar, infeliz e inquieto.

Agostinho da Silva

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

My Mistakes Were Made For You



Era o último amor. A casa fria,
os pés molhados no escuro chão.
Era o último amor e não sabia
esconder o rosto em tanta solidão.

Era o último amor. Quem advinha
o sabor pela escuridão?
Quem oferece frutos nessa neve?
Quem rasga com ternura o que foi verão?

Era o último amor, o mais perfeito
fulgor do que viveu sem as palavras.
Era o último amor, perfil desfeito
entre lumes e vozes passadas.

Era o último amor e não sabia
que os pés à terra nua oferecia.


Luís Filipe Castro Mendes

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A memória é...

A memória é essa claridade fictícia das sobreposições que se anulam. O significado é essa espécie de mapa das interpretações que se cruzam como cicatrizes de sucessivas pancadas. Os nossos sentimentos. A intensidade do sentir é intolerável. Do sentir ao sentido do sentido ao significado: o que resta é impacto que substitui impacto — eis a invenção.

Ana Hatherly, in 'Tisanas'

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